O Ministério da Saúde instituiu, em 2007, o Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos (CNPURM). Como instância consultiva do Ministério da Saúde, o comitê tem por finalidade orientar e propor ações, estratégias e atividades para a promoção do uso racional de medicamentos no âmbito da política nacional de promoção da saúde. Diante da preocupação com questões relacionadas ao uso abusivo de medicamentos, o CNPURM lançou a publicação “Uso de medicamentos e medicalização da vida: recomendações e estratégias”.

A publicação resultou de um relatório elaborado contendo recomendações e estratégias referentes a três eixos temáticos principais: medicalização da vida, uso de medicamentos em populações vulnerabilizadas e uso racional de antimicrobianos. Como instância consultiva do Ministério da Saúde, uma das competências do comitê é a elaboração de recomendações que visem a promoção do uso racional de medicamentos.

A farmacêutica Alessandra Russo, representante do Conselho Federal de Farmácia no comitê, ressalta a importância do documento, tendo em vista o fenômeno da medicalização da vida, pelo qual a vida cotidiana é apropriada pela medicina e interfere na construção de conceitos, costumes e comportamentos sociais. Ela destaca que um dos campos em que a medicalização adquire sua maior expressão é no educacional. “É enorme a quantidade de crianças e jovens em idade escolar e que possuem diagnósticos médicos de transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade, por exemplo, e em consequência, fazem uso de medicamentos psicotrópicos para tratar essa condição. Há toda uma patologização de comportamentos sociais que até então eram considerados normais e um uso cada vez mais indiscriminado e abusivo de medicamentos, principalmente medicamentos psicotrópicos.

Alessandra salienta que os medicamentos, se utilizados indevidamente, podem causar danos à saúde e levar o indivíduo ao óbito. Ela acrescenta que nesse debate de conceitos e termos, é importante demonstrar que o uso inadequado ou irracional de medicamentos é uma das formas de medicalização da vida, utilizado como meio para “normalizar” as pessoas.

“Se tem notícias de escolas em que quase todas as crianças da classe fazem uso de medicamento para o tratamento do déficit de atenção com ou sem hiperatividade. A pergunta é: todas essas crianças e jovens realmente possuem déficit de atenção e são hiperativas? O que tem acontecido, uma epidemia de hiperatividade? Ou será que tem sido mais fácil apelar para o tratamento farmacológico do que se trabalhar a questão da educação, do que vem a ser um comportamento socialmente adequado e até mesmo da necessidade da implantação de estratégias não farmacológicas para se abordar esse fenômeno?”, indaga. “Nesse contexto, utiliza-se da lógica equivocada de que é mais fácil medicar a criança do que mudar o sistema de educação”.

Segundo o relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, a partir dos anos 2000, o uso do metilfenidato cresceu em todo o mundo, acompanhado das discussões sobre o seu mau uso. Em 2014, foram fabricadas 62 toneladas desse fármaco, e em 2016, esse número aumentou para 74 toneladas, a maior taxa já observada.

“Uma das recomendações do comitê é a promoção de articulações intersetoriais como meio para desmedicalizar o cuidado. O que isso quer dizer? A instituição de estratégias não farmacológicas para cuidar de um jovem com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade, que poderá envolver, por exemplo, a psicoterapia, o uso de práticas integrativas e complementares, entre outras abordagens não medicamentosas para o cuidado.”

Resistência antimicrobiana

A publicação também aborda a questão do uso racional dos antimicrobianos e a temática da resistência bacteriana, uma das maiores preocupações globais em saúde pública. Apesar de ocorrer naturalmente, o problema tem se acelerado e agravado devido ao uso inadequado de antimicrobianos na produção de alimentos, no manejo de animais e nos serviços de saúde. “Está cada vez mais difícil tratar um crescente número de infecções, já que os antimicrobianos usados estão se tornando inefetivos. O desenvolvimento da resistência aos antimicrobianos gera uma série de consequências diretas e indiretas que comprometem não apenas os pacientes, mas toda a população.” Avalia Alessandra.

Estima-se que no ano de 2050, caso não sejam tomadas ações efetivas para controlar os avanços da resistência aos antimicrobianos, uma pessoa morrerá a cada três segundos, o que representará 10 milhões de óbitos por ano.

Psicotrópicos

O Brasil está entre os países que mais consomem esses tipos de medicamentos. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2012 e 2016 houve aumento de 30% na quantidade de serviços de saúde do SUS que acompanham pessoas com depressão. No mesmo período, houve crescimento de 87% na dispensação de medicamentos dessa classe registrados no Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica. O uso indiscriminado desses produtos é uma das preocupações abordadas pelo Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos.

A farmacêutica lembra que apenas as questões de ordem biológica não são capazes de explicar a depressão, por exemplo, pois a doença envolve determinantes de ordem psicológica e questões sociais, como características da personalidade e do indivíduo, tendências emocionais negativas e baixa autoestima, pobreza, desajustes familiares, situações de violência física e psíquica, entre outras. “Evidências científicas sugerem que o uso de antidepressivos seja limitado àqueles pacientes que apresentam quadro mais grave da doença e nos quais a mesma se apresente de forma crônica, pelo período de tempo mais curto possível, por isso, se ressalta a importância da implementação de estratégias de tratamento não farmacológicas, como a psicoterapia ou a oferta das práticas integrativas e complementares disponíveis no SUS, como a acupuntura, a meditação, a homeopatia, floralterapia e até mesmo a fitoterapia, principalmente para os pacientes com graus moderado a leve da doença.”

Importante também ressaltar as recomendações para que sejam elaborados protocolos para a desprescrição de medicamentos psicotrópicos. “Uma vez prescrito um antidepressivo ou um ansiolítico ao paciente, por exemplo, é preciso que existam disponíveis para os médicos protocolos contendo diretrizes para a retirada desses medicamentos, uma vez que os mesmos não podem ser utilizados indefinidamente pelo paciente, a menos que o médico julgue estritamente necessário.”

Recomendações como essas, e outras, estão elencadas na publicação “Uso de medicamentos e medicalização da vida” do Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos”.

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Fonte: Comunicação do CFF